Portal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará

Especial Novembro Negro

NEABIs fortalecem identidades e interiorizam a luta antirracista

Presentes em 31 municípios do Ceará, os Núcleos reforçam o cumprimento das políticas afirmativas institucionais

Publicada por Andressa Sanches em 18/11/2025 Atualizada em 18 de Novembro de 2025 às 14:05

A criação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABIs) nos Institutos Federais foi induzida em 2011 pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), vinculada ao Ministério da Educação, e é parte de um processo histórico mais amplo. O cenário nacional pressionava por uma tomada de decisão. Afinal, duas leis haviam sido criadas na primeira década do milênio e ainda não “tinham pegado”. Desde 2003, a Lei 10.639 havia tornado obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas do país. Cinco anos depois, em 2008, a Lei 11.645 acrescentou o ensino da história e cultura indígena.

Além disso, em 2010, a Lei nº 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Para a SETEC, era preciso acelerar a entrada, a permanência e êxito dos afrobrasileiros e indígenas na educação técnica e superior e dar suporte aos sistemas de ensino estaduais e municipais para o cumprimento das leis. Daí o contexto de surgimento dos NEABIs.

Linha do tempo NEABIS
Linha do tempo NEABIS

NEABIs fortalecem identidades e interiorizam a luta antirracista

O primeiro NEABI do IFCE foi criado em 2013 no campus Baturité pela professora Anna Erika Ferreira Lima, falecida em 2022. Três anos depois, em 2016, a docente também criou o núcleo Fortaleza, quando foi removida para a capital. No campus de Juazeiro do Norte havia sido criado em 2014 o Núcleo de Investigação de Grupos Étnico-Raciais (NIGER) a partir de inquietações e discussões entre alunos e professores do curso de Licenciatura em Educação Física a partir da pergunta “Onde está o negro no IFCE?”. Após quatro anos, esse grupo de estudos passou a se chamar NEABI.

Eram 15 núcleos em 2015, sete NEABIs implantados e oito em processo de implantação. "Nossas ações perpassam dentro de uma perspectiva sistêmica, nas linhas da pesquisa, no ensino e na extensão. Nós fizemos trabalhos com comunidades tradicionais em cursos de educação ambiental de soberania alimentar, eventos com a pauta da questão afro-brasileira e indígena, cursos de formação inicial e continuada, palestras, semana da africanidade. Perpassa muito pelas características de cada campus e pela identidade dos sujeitos que fazem os NEABIs", disse Anna Erika, em setembro de 2017 em entrevista (0:14 - 0:56) para a TV IFCE.

Pâmela Layla
Pâmela Layla

“O NEABI transformou a minha experiência no IFCE, a minha vida pessoal, me deu boas amizades, ótimas experiências e me fez construir uma sólida relação de amor por mim mesma. Me ajudou na construção do meu eu preta, de me afirmar como tal, de escrever e gostar de estudar sobre também. Buscando cada vez mais me conhecer dentro dessa vasta cultura afro”, explicou Pâmela Layla Freitas Barbosa (à esquerda), estudante de Tecnologia em Telemática no campus Fortaleza. Seu primeiro contato aconteceu em outubro de 2018, quando foi fotografada para o projeto ‘A Cara Negra do IFCE’. Na época, fazia o curso técnico em informática.

Contemporânea de Anna Erika no NEABI de Fortaleza, Pâmela produziu as exposições “A Cara Negra e Indígena do IFCE” desde 2019 e organizou o relatório anual do núcleo de 2019, 2020 e 2021, além de fazer oficinas de turbante e atuar no projeto NEABI Escolas. “Facilito as oficinas desde 2019, indo às escolas, universidades e espaços culturais, levando a força, grande e beleza dos tecidos para construir os turbantes e falarmos sobre sua construção e importância no Continente Africano e no Brasil como identidade negra. No NEABI Escolas, saímos do campus e vamos até a comunidade falar sobre identidade negra, facilitar oficinas de turbantes, dar oficinas em geral”, detalhou.

Paracuru - Estudante Camila
Paracuru - Estudante Camila

Camila Maria Souza dos Santos (à direita), 29 anos, aluna de Tecnologia em Gestão Ambiental no campus Paracuru, lembrou seu primeiro contato em 2019: “Eu me senti acolhida pelas pautas e pela professora Iara Saraiva Martins, que me incentivou a construir junto tudo que o núcleo permite. Bastou a primeira reunião, já queria fazer parte”. Para Camila, o núcleo transformou sua trajetória acadêmica e profissional: “Entendi meu papel como mulher negra, meu lugar de fala e como ativista ambiental. Hoje, penso a gestão socioambiental de unidades de conservação com as comunidades tradicionais como protagonistas. O NEABI é uma chave que abre os portões e incentiva a criar mudanças.” Atualmente, Camila atua na gestão socioambiental de unidades de conservação. “Aprendi a pensar política ambiental com protagonismo das comunidades tradicionais. Ser neabiana é fortalecer minha identidade e lutar por uma educação antirracista.”

Egresso Lucas Carvalho ao lado da servidora Maria de Jesus do Nascimento, vice-coordenadora do núcleo no campus de Tianguá
Egresso Lucas Carvalho ao lado da servidora Maria de Jesus do Nascimento, vice-coordenadora do núcleo no campus de Tianguá

Em Tianguá, Lucas Carvalho, 24 anos, egresso de Letras, compartilha trajetória semelhante. “Ser uma pessoa negra na universidade não é tarefa fácil. O NEABI foi minha virada de chave. Foi nele que me descobri enquanto pessoa preta e tive experiências que moldaram minha identidade”, conta. Como bolsista, Lucas participou de grupos de estudo e do projeto “Bancas de Heteroidentificação nas Escolas”, que leva letramento racial a estudantes da educação básica. “O impacto do NEABI na minha vida é imensurável. Hoje, estou no mestrado em Linguística na UFC e devo muito a esse núcleo e às pessoas que nele me marcaram.” Lucas pesquisa como o colonialismo, racismo algorítmico e capitalismo ainda impactam as vidas das pessoas negras. Confira sua fala no vídeo.

A descoberta, pertencimento e a autoafirmação alcançam também os servidores do IFCE. “Foi no NEABI que compreendi minha negritude. Eu me descobri preta nesse espaço. A gente descobre quem é quando encontra um espaço de acolhimento e luta coletiva”, afirma Maria de Jesus do Nascimento, coordenadora de Assuntos Estudantis e vice-coordenadora do NEABI do campus Tianguá. Seu primeiro contato com o núcleo aconteceu em 2017, quando foi convidada pela professora Sabrina Kelly para ajudar a implantar o núcleo no campus Tianguá.

“Eu não sabia o que era o NEABI, nunca tinha ouvido falar. Comecei a buscar informações e, nesse processo, iniciei também um caminho de autoafirmação como mulher preta”, relembra. O momento decisivo veio em 2018, durante um evento em que, ao pedir que se identificassem como negros, poucas mãos se levantaram. “Percebi, com certo incômodo, que muitas pessoas visivelmente negras não se declararam. Foi aí que entendi a importância do NEABI como espaço de diálogo, conscientização e fortalecimento das identidades”, diz. A partir daí, articulou a implantação do núcleo com o então diretor do campus, Jackson Nunes, e nunca mais deixou de atuar na causa. Para ela, não se trata apenas de um núcleo acadêmico. É um espaço de acolhimento, luta e consciência coletiva.”

Expansão e interiorização

Mapa NEABIS 2025.2
Mapa NEABIS 2025.2

Atualmente, o IFCE possui 31 NEABIs em funcionamento. Apenas o campus de Guaramiranga ainda não o constituiu, enquanto o núcleo do campus de Sobral encontra-se desativado no momento. O número mais que dobrou nos últimos 10 anos. Eram 15 núcleos em 2015, quando foi realizado o I Encontro para Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, realizado pela Pró-Reitoria de Extensão do IFCE, em parceria com os campi de Baturité e Caucaia e a Diretoria de Assuntos Estudantis.

Na época, o evento reuniu aproximadamente 200 participantes, entre os quais representantes da Funai, Incra e lideranças indígenas e quilombolas do estado do Ceará, professores da UFC e IFCE, entidades sociais, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais e estudantes do campus de Baturité e de outras instituições. O objetivo era fomentar a criação dos NEABIs no IFCE, possibilitando aos indígenas e quilombolas condições de acesso e permanência na instituição, bem como iniciar a aproximação com estas comunidades colaborando com o fortalecimento de suas identidades culturais.

Segundo a professora Cristiane Sousa da Silva, chefe do Departamento de Extensão Social e Cultural, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão, a expansão dos NEABIs no IFCE ganhou volume a partir dos concursos públicos para servidores efetivos realizados após a Lei nº 12.990 de 2014, que estendeu as cotas raciais para concursos públicos federais. Em 2018, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão regulamentou o procedimento de heteroidentificação para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais. Já em dezembro de 2019 formaram-se as Comissões Locais de Heteroidentificação e, tendo sido alterados os editais de processo seletivo do ensino médio e superior, no primeiro semestre de 2020 iniciaram-se as aferições.

“O divisor de águas foi a abertura deste edital, que reservava vagas para cotistas. A partir daí, começamos a abrir NEABIs em vários campi. E, em 2019, com a implantação da heteroidentificação, fortalecemos ainda mais essa política”, explica Cristiane. “Vivemos um boom de NEABIs— passamos para 27 núcleos e hoje, em 2024, chegamos a 31 campi do IFCE. Isso significa uma interiorização real da pauta racial”, comemora. Segundo ela, a presença negra na instituição passou a se refletir não só nos corredores e salas de aula, mas também nos espaços de decisão e na formulação de políticas afirmativas.

Enegrecemos o serviço público, mas também passamos a construir a política de ação afirmativa do IFCE de dentro para fora.

professora Cristiane Sousa

Reportagem: Cláudia Monteiro (agencia@ifce.edu.br)

Infográfico: Elias Figueiroa

Fotos: Arquivo pessoal

Fontes: Cristiane Sousa (cristiane.silva@ifce.edu.br), Pâmela Layla (pamela.layla.freitas07@aluno.ifce.edu.br), Maria de Jesus do Nascimento (jesus.nascimento@ifce.edu.br)

Palavras-chave:
Agência IFCE NEABI Novembro Negro

Notícias relacionadas