Pesquisa
Sistema usa inteligência artificial para analisar viabilidade de sêmen de ovinos
Projeto mostra que tecnologia pode ser aliada da produção rural
Publicada por Andressa Sanches em 26/08/2025 ― Atualizada em 26 de Agosto de 2025 às 17:21
Um sistema desenvolvido por professores e estudantes do campus de Crato do Instituto Federal do Ceará (IFCE) promete facilitar a análise de viabilidade de sêmen ovino com o uso de inteligência artificial. A pesquisa é fruto da integração entre as graduações em Sistemas de Informação e Zootecnia ofertadas pela instituição.
O projeto nasceu para solucionar uma demanda do Laboratório de Biotecnologia da Reprodução Animal (BioRep) do campus. O laboratório desenvolve pesquisas sobre técnicas de reprodução que podem ser utilizadas na criação animal, como a inseminação artificial. A análise da viabilidade do sêmen de animais reprodutores, critério fundamental para o sucesso das inseminações, é um dos procedimentos estudados.
"Esse trabalho foi criado a partir da necessidade da padronização de alguns parâmetros da análise da viabilidade espermática dos ovinos. Essa avaliação às vezes se torna subjetiva e, pensando nisso, a gente trouxe a inovação da criação de um sistema que conseguisse padronizar e fazer essa avaliação de forma mais precisa e acessível", afirma o estudante Iarlly Prado, que é bolsista no BioRep.

Para identificar os espermatozoides viáveis para a inseminação, a equipe do laboratório utiliza nas amostras coletadas o corante azul de bromofenol, capaz de entrar nas células que possuem lesões na membrana. Dessa forma, as células inviáveis ficam coradas e a equipe consegue identificar quais amostras podem ser utilizadas para inseminação e quais devem ser descartadas.
“De forma manual, utilizamos o corante e temos que avaliar duzentos espermatozoides. Destes, verificamos, ao final, quantos estão corados e não corados. Esta é uma avaliação que deve ser feita imediatamente após a montagem do esfregaço da amostra de sêmen com o corante, pois à medida que o tempo passa as células vão morrendo e perdem a viabilidade”, explica a professora Gabriela Lima, coordenadora do BioRep.
Para acelerar o processo e facilitar a padronização, já existem sistemas computadorizados para análise do sêmen, chamados de Computer-Assisted Sperm Analysis (CASA). Esses sistemas, porém, ainda apresentam limitações, como explica a professora Gabriela: “Eles têm dificuldade em distinguir os espermatozoides de outros componentes seminais de tamanho comparável, como gotículas citoplasmáticas ou outros detritos. Há também a falta de mobilidade do sistema, que impede seu uso a campo, por exemplo, e o seu elevado custo”.
Interdisciplinaridade
A solução para as demandas do Laboratório de Biotecnologia da Reprodução Animal nasce da união entre inteligência artificial, o uso de um software livre e a captura de imagens por meio de um smartphone acoplado ao microscópio. Com a colaboração dos professores Guilherme Esmeraldo e Harley Macedo e sob a orientação do professor Robson Feitosa, o sistema foi desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da estudante Vanessa Nascimento, que está concluindo a graduação em Sistemas de Informação.

"O sistema funciona de forma integrada entre um aplicativo e um servidor. O usuário, através do aplicativo, captura uma imagem da amostra através de um microscópio. Essa imagem é enviada para o servidor, onde um modelo de inteligência artificial realiza o processamento. O modelo identifica e classifica as células como coradas ou não coradas e, em seguida, retorna ao aplicativo a contagem de cada tipo de célula identificado", explica Vanessa.
Orientador do trabalho, o professor Robson Feitosa explica que, primeiro, foi preciso construir uma base de dados com cerca de duzentas imagens reais de sêmen ovino coletadas durante aulas práticas no campus. Depois, o YOLOv8, um algoritmo de detecção de objetos em tempo real, foi treinado para identificar as células coradas e as não coradas.
“Para melhorar a precisão do modelo foi necessário utilizar técnicas de aumento de dados (data augmentation), onde a melhor versão alcançou um desempenho de 70,1% de precisão. Posteriormente, foi implementado um serviço web na linguagem de programação Python, responsável por processar as imagens, e uma interface do aplicativo para smartphone, permitindo que o sistema fosse utilizado em campo, de forma prática e intuitiva.”, conta o professor.
As principais vantagens estão no baixo custo, na portabilidade, já que funciona em celular, na facilidade de uso e na independência de equipamentos sofisticados ou softwares de alto custo de aquisição
Atualmente, a equipe do projeto está ampliando o banco de imagens do sistema para melhorar a eficácia da detecção dos espermatozoides, mas já anda colhendo os frutos da apresentação do trabalho em congressos científicos. A pesquisa foi premiada na VI Mostra de Trabalhos Científicos do PECNordeste, tradicional evento agropecuário do Ceará. Em julho, o sistema também foi apresentado no Encontro Nacional de Computação dos Institutos Federais (ENCompIF), em Maceió.
Para o futuro, a estudante Vanessa Nascimento conta que pretende seguir com o projeto durante a pós-graduação: “A ideia é aprofundar o desenvolvimento do modelo, buscando melhorar ainda mais a acurácia e a robustez da identificação das células”. O objetivo é que o sistema possa ser disponibilizado para outros pesquisadores e produtores rurais.
Tecnologia no campo

Ao facilitar a análise da viabilidade do sêmen ovino, o sistema pode beneficiar pesquisadores da área e profissionais da produção animal. Segundo a professora Gabriela Lima, o uso da inteligência artificial vem avançando nos estudos da área: "Nos últimos anos, houve um significativo aumento na aplicação de IA na análise seminal, tanto na medicina humana como na medicina veterinária. Esses novos métodos podem ser avaliados para encontrar formas mais eficazes, acuradas, práticas e de baixo custo para realizar esta avaliação".
No campus de Crato do IFCE, a integração entre tecnologia e ciências agrárias é tema de pesquisas de docentes e estudantes, com o objetivo de gerar soluções aplicáveis no campo. “Entendo que os Sistemas Computacionais têm o potencial para transformar práticas tradicionais, tornando-as mais eficientes, sustentáveis e acessíveis. Projetos como o da Vanessa demonstram que os sistemas computacionais podem apoiar a tomada de decisão no campo, reduzir custos e melhorar a qualidade dos processos produtivos”, defende o professor Robson Feitosa, que tem atuação de destaque na área.
O Laboratório de Biotecnologia da Reprodução Animal desenvolve outros projetos de avaliação de sêmen de animais com o uso de IA. Em parceria com docentes e estudantes da Universidade Federal do Cariri (UFCA), o laboratório trabalha, por exemplo, no desenvolvimento de um sistema que permita a avaliação da cinética espermática - o movimento dos espermatozoides no sêmen. No campus, o estudante Iarlly Prado é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Tecnológica (PIBITI) e está à frente do projeto, que utiliza o rebanho de suínos da instituição.
Reportagem: Alissa Carvalho - campus Crato (agencia@ifce.edu.br)
Fotos: Geo Brasil
Fontes: Gabriela Liberalino Lima (gabriela.lima@ifce.edu.br) e Robson Feitosa (robsonfeitosa@ifce.edu.br), professores do campus Crato; Iarlly Prado (iarlly.prado09@aluno.ifce.edu.br), estudante do campus Crato
- Palavras-chave:
- Agência IFCE Crato Ovinos Pesquisa inteligência artificial