Acessibilidade
Sistema auxilia pessoas com Síndrome do Encarceramento a se comunicarem
Projeto baseado em visão computacional foi desenvolvido como uma alternativa de baixo custo, utilizando apenas um computador, webcam, mouse e alto-falantes
Publicada por Andressa Sanches em 24/09/2025 ― Atualizada em 24 de Setembro de 2025 às 07:05
Quando ainda fazia o ensino fundamental, o estudante Eduardo Arruda foi impactado pelo filme O Escafandro e a Borboleta, cujo protagonista teve um AVC e desenvolveu a Síndrome do Encarceramento, condição neurológica que impede o paciente de se comunicar verbalmente ou por gestos. Nesse momento, nasceu a ideia de um sistema baseado em visão computacional para ajudar pessoas tetraplégicas a se comunicarem, projeto que ele desenvolveu, mais tarde, como bolsista de iniciação científica do campus de Aracati do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE), com orientação da professora Andressa Ferreira.
Trata-se um sistema de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), denominado LoquiOculis, desenvolvido como uma alternativa de baixo custo, utilizando apenas computador, webcam, mouse e alto-falantes. A ferramenta permite que o usuário escreva mensagens em um teclado virtual, que são convertidas em texto e áudio. O autor explica que “a interação pode ser feita de duas formas: através da detecção de piscadas voluntárias, para usuários com a síndrome clássica; ou pelo clique do botão esquerdo do mouse, para aqueles com a síndrome incompleta que ainda têm algum movimento nas mãos”.

Eduardo rememora a jornada do projeto desde a impressão causada pelo método de comunicação do personagem do filme: uma pessoa recitava o alfabeto e, ao piscar duas vezes, o personagem indicava a letra a ser registrada em um caderno, formando assim palavras e frases. Anos mais tarde, na graduação, numa aula da disciplina de Inteligência Artificial, o tema de visão computacional chamou a sua atenção. Imediatamente, ele lembrou do filme e do método de comunicação do personagem, surgindo aí a ideia que culminou nesse projeto.
O processo de desenvolvimento do sistema seguiu uma abordagem metódica. Começou com uma análise acadêmica e de mercado, em que o autor procurou por softwares e estudos que tratassem de sistemas de comunicação semelhantes. “Essa pesquisa foi fundamental para reunir as melhores ideias e definir os requisitos do projeto. Com uma visão clara, escolhi as tecnologias. A aplicação para detectar as piscadas foi criada utilizando Python, enquanto a interface foi desenvolvida com HTML, CSS e JavaScript para garantir uma experiência de usuário intuitiva. A arquitetura do sistema integra duas bibliotecas-chave de visão computacional: OpenCV e MediaPipe, que permitem a detecção precisa das piscadas”, ele detalha.
A professora Andressa Ferreira, orientadora do trabalho, destaca que um dos diferenciais do sistema desenvolvido por Eduardo é o baixo custo. “Ele conseguiu desenvolver uma solução gratuita e muito simples para o usuário, porque não vai precisar adquirir nada novo: basta que ele tenha um computador com a câmera acoplada, como acontece com a maioria dos notebooks”, explica a docente. Adicionalmente, "o tempo de resposta do LoquiOculis também foi significativo, porque é equivalente a outros sistemas que já existem, mas que são bem mais complexos e mais difíceis de se obter".
Como funciona

O sistema LoquiOculis funciona como um teclado virtual. No seu layout, as teclas com as letras do alfabeto são organizadas de acordo com a frequência de uso na língua portuguesa, além de possuir teclas com números e pontuações. A interação se dá por um método de varredura: primeiro, o sistema destaca uma linha de caracteres; após a seleção dessa linha, ele varre as colunas até que o usuário selecione a tecla desejada. O sistema também oferece recursos como apagar caracteres, limpar o texto completo e sugestão de palavras.
Os testes realizados com o sistema apresentaram resultados positivos, alcançando 93% de precisão na detecção de piscadas. Apesar desse desempenho promissor, a maioria dos participantes não considerou o método de detecção de piscadas prático ou confortável, indicando a necessidade de aperfeiçoamentos adicionais nesse processo. “Em contrapartida, o método de seleção por meio do clique do botão esquerdo do mouse demonstrou-se eficaz, intuitivo e confortável, sendo a opção preferida por todos os participantes”, relata Eduardo.
Para trabalhos futuros, em face desses resultados, o autor considera importante para aprimorar o sistema: substituir o algoritmo de sugestão de palavras por um de aprendizado de máquina para maior precisão e relevância; incluir um sistema que identifique e aprenda padrões de escrita de cada usuário, melhorando a fluidez e a precisão da comunicação; expandir o suporte a outros idiomas; e realizar novos testes com pessoas que de fato possuam a Síndrome do Encarceramento. Em virtude do tempo para conclusão e apresentação da pesquisa como trabalho de conclusão de curso no bacharelado em Ciências da Computação, os testes do LoquiOculis foram realizados com voluntários sem necessidades específicas e com diferentes níveis de familiaridade com computadores.
Apesar de ainda ter um caminho de atualizações e incrementos pela frente, a professora Andressa Ferreira considera que o LoquiOculis já "é um avanço em termos de desenvolvimento de algoritmo para o nicho específico de tecnologias assistivas, sobretudo por fortalecer e aumentar a relação entre a Computação e outras áreas”. Para a docente, “ver a Computação inserida nesse contexto de apoio à saúde, ao bem-estar e à autonomia de pessoas com necessidades específicas é muito gratificante”.
Propósito de vida
Quando estudava no ensino médio, o plano de Eduardo era se tornar um engenheiro de produção, mas seu destino mudou ao ingressar no curso técnico de Informática do campus de Aracati em 2019. Ali o estudante descobriu o universo da Tecnologia da Informação (TI) e decidiu cursar o bacharelado em Ciência da Computação. Já em 2020, ele ingressou na graduação, onde teve a oportunidade de unir a tecnologia a um propósito que o motiva desde a infância: o sonho de tornar o mundo um lugar melhor.
Nesse intuito, se dedicou a projetos de visão computacional como o Nauplius, solução tecnológica voltada para a automatização do processo de contagem de larvas de camarão (náuplios), e de acessibilidade, como a criação de placas em Braille com impressora 3D e o LoquiOculis, um exemplo de tecnologia assistiva. O projeto foi, inclusive, premiado com o primeiro lugar no Encontro de Iniciação Científica e Tecnológica do IFCE - Ano 2024 (ENICIT). A colocação se deu dentre os projetos dos campi que integram a região 5 (Aracati, Jaguaruana, Limoeiro do Norte, Morada Nova, Quixadá, Tabuleiro do Norte e Jaguaribe).
Hoje, Eduardo compartilha seus propósitos de vida, como professor de Cultura Maker em Aracati, onde ensina alunos do ensino fundamental a usarem a tecnologia para construir um futuro mais acessível e criativo.
Reportagem: Elinaldo Rodrigues - campus Aracati (agencia@ifce.edu.br)
Fotos: Vitor Honório e arquivo do pesquisador
Fontes: Eduardo Arruda (eduardodossantosarrudag@gmail.com) e professora Andressa Ferreira (andressa.ferreira@ifce.edu.br) - campus Aracati
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Conheça o TCC de Eduardo sobre o sistema
Trabalho foi defendida na obtenção do grau de bacharel em Ciências da Computação
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