Meio ambiente
Pesquisador do IFCE descobre novo cacto no Ceará
Apesar de recém-identificada, a espécie Tacinga mirim já corre risco de extinção
Publicada por Andressa Costa em 27/05/2025 ― Atualizada há 6 dias, 1 hora
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistéro
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.
Essa história começa em 2009, em Santa Quitéria, quando um grupo de pesquisadores se reuniu numa expedição para decifrar os mistérios da caatinga, especificamente das cactáceas. Durante o inventário botânico, depararam-se pela primeira vez com um cacto de menos de um metro de altura que vivia numa área de depressão sertaneja do interior do Ceará. Na época, pensaram se tratar de uma Tacinga palmadora, um cacto conhecido popularmente como palmatória e comumente encontrado do Rio Grande do Norte até a Bahia, mas até então nunca visto pelas bandas daqui.
“As cactáceas são uma família de plantas com um conjunto de características botânicas específicas. São plantas suculentas que acumulam água em tecidos especializados no interior do caule e, em geral, não possuem folhas e têm espinhos”, explica o biólogo Marcelo Oliveira Teles de Menezes, que integrou a expedição e é professor do campus de Fortaleza do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).

Marcelo Teles acrescenta que os diversos tipos de cactos e seus parentes próximos da família das cactáceas são importantes para a Caatinga, pois estão adaptados ao clima semiárido. “Durante a estação chuvosa, armazenam água nesses tecidos internos do caule e, na estação seca, conseguem florir e frutificar, oferecendo recursos fundamentais para a rede alimentar do ecossistema”, destaca o pesquisador.
A ciência, meio que poesia, meio que vida, tem sempre o que contar e pesquisar. Anos depois, o botânico britânico Nigel Taylor revisitou os registros da expedição e apontou, em uma publicação, algumas diferenças entre o cacto cearense e a Tacinga palmadora, sugerindo se tratar de espécies diferentes. Para esclarecer de vez esse mistério, o professor Marcelo Teles voltou ao campo e procurou por mais exemplares daquele cacto, confirmando sua presença não só em Santa Quitéria, mas em Canindé, Sobral e Catunda.

Mapa de distribuição Tacinga mirim e Tacinga palmadora
A partir daí, foi feita uma análise morfológica do cacto cearense, ou seja, das suas características botânicas, que foram comparadas às da já conhecida Tacinga palmadora. Entre outros pontos, o pesquisador observou a altura das plantas, o tamanho e a forma dos segmentos do caule, a quantidade e o tamanho dos espinhos, o tamanho, a cor e a quantidade das flores, o tamanho e a cor dos frutos. E, para não restar nenhuma dúvida, foi feita uma comparação de cariótipo (DNA). As análises cromossômicas foram feitas pela pesquisadora Lânia Isis Ferreira Alves, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que é coautora da publicação que apresenta a nova espécie à ciência.

Marcelo Teles explica que, além de ter um número de cromossomos diferente da palmatória comum, a espécie cearense tem uma disposição diferente de certas regiões cromossômicas. O cacto cearense possui 44 cromossomos, enquanto a Tacinga palmadora tem apenas 22. Além disso, seus cromossomos são duas vezes maiores do que os da sua “prima” já conhecida.
Segundo o professor Marcelo Teles, a nova espécie foi nomeada Tacinga mirim, em homenagem aos povos originários. Em nheengatu (tupi moderno), o epíteto mirim significa pequeno, servindo como diminutivo. O termo faz alusão às suas dimensões reduzidas quando comparadas às da Tacinga palmadora.
A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Biologia do Departamento de Educação (DEDUC), no âmbito do Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Gestão Ambiental (PGTGA) do IFCE - campus de Fortaleza, onde o professor Marcelo Teles atua. Os resultados foram publicados no periódico científico Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Apesar de só ter sido identificada agora pelos pesquisadores, a Tacinga mirim já corre risco de extinção. De acordo com Marcelo Teles, ela atende a vários critérios da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN) para classificar espécies ameaçadas de extinção. Foi encontrada em poucas localidades do interior cearense, ocorrendo numa área de menos de 36 km² de extensão. Há poucas populações conhecidas, e seu hábitat natural encontra-se em declínio. Nos municípios onde a espécie já foi encontrada, o desmatamento aumentou de 4 a 16% entre 1985 e 2022 de acordo com o Projeto MapBiomas, que monitora o desmatamento no Brasil com base na classificação de imagens do satélite Landsat.
Na avaliação do professor Marcelo Teles, o desmatamento está associado principalmente à agricultura e à pecuária intensiva e predatória, sendo possível encontrar pontos de desertificação nas regiões. O pesquisador também alerta para os impactos ambientais que um grande empreendimento de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria pode trazer à nova espécie.
Por que a Tacinga mirim já está em extinção?
Pesquisador Marcelo Teles detalha critérios para considerar nova espécie já ameaçada de extinção
A mineração é uma das atividades econômicas que causa impactos ambientais mais graves, por conta do desmatamento e da degradação do solo

Reportagem: Manuella Nobre - campus Fortaleza (agencia@ifce.edu.br)
Revisão: Jailson Neves
Ilustração e infográfico: Luan Felipe Gomes
Direção de arte: Fernando Sousa
Fotos: Pedro Vieira (laboratório), Acervo do pesquisador (campo, Tacinga mirim e mapa de localização)
Fonte: Professor Marcelo Teles - campus Fortaleza (teles@ifce.edu.br)
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Confira o artigo científico
O artigo científico completo (versão em inglês) está disponível no periódico científico Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
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