Meio ambiente
Pesquisa do IFCE revela contaminação por nitrato na água de Jericoacoara
Os níveis de nitrato excederam em até 11 vezes o limite estabelecido pelo Ministério da Saúde para águas potáveis, representando riscos à saúde
Publicada por Tiago Braga em 02/05/2025 ― Atualizada há 3 semanas, 1 dia

Uma pesquisa desenvolvida no campus de Camocim do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) revelou um problema ambiental e de saúde pública na Vila de Jericoacoara, no litoral cearense: a contaminação da água subterrânea por altos níveis de nitrato. O estudo, publicado no início de 2025 no Journal of South American Earth Sciences, mostra que tanto a água de poços particulares quanto a da rede de abastecimento público apresentam concentrações de nitrato acima do limite seguro para o consumo humano.
A equipe do IFCE realizou coletas bimestrais de setembro de 2022 a setembro de 2023, em pontos escolhidos de maneira aleatória em toda a vila. As amostras de água eram coletadas nas residências (tanto de cacimbas quanto de torneiras) e levadas em frascos de vidro resfriados para análise no laboratório do campus de Camocim.
Os resultados laboratoriais confirmaram que, em todos os meses de coleta, os níveis de nitrato excederam o limite de 10 miligramas por litro estabelecido pelo Ministério da Saúde para águas potáveis. As maiores concentrações foram encontradas em poços particulares, chegando a ultrapassar 11 vezes esse limite. Já na água fornecida pela companhia de saneamento, os níveis chegaram a ser seis vezes superiores ao permitido pela legislação brasileira.
Riscos à saúde
O biólogo e professor do IFCE, Edmo Rodrigues, um dos autores do estudo, explica que o problema afeta principalmente os moradores. “O turista fica poucos dias e muitas vezes nem consome a água local. Já quem reside ali, consumindo essa água de forma contínua, corre risco de desenvolver anemia, doenças gastrointestinais, problemas cardiovasculares e, em casos mais graves, até câncer. Em crianças e bebês, o risco é ainda maior, podendo levar à cianose, conhecida como Síndrome do Bebê Azul”, alerta o docente. Essa síndrome é uma condição causada pela baixa capacidade do sangue de transportar oxigênio pelo corpo. Sem tratamento rápido, o quadro pode levar a complicações graves e até à morte.

O professor ressalta que o nitrato não é um composto fácil de ser removido da água. Não adianta, portanto, fervê-la, sendo preocupante o seu uso também para o preparo de alimentos.
A origem do problema
Conforme as análises, a poluição das águas subterrâneas ocorre por nitratos formados a partir de compostos nitrogenados originários de efluentes da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) local, que opera desde 2009. Os efluentes da ETE são dispostos na areia e penetram no solo até atingir o lençol freático. Para chegar a essa conclusão, foi fundamental a construção de um mapa de fluxo subterrâneo de água, elaborado por um dos autores do artigo, o também professor do campus de Camocim do IFCE Cassiano Ricardo de Souza.
De acordo com o professor Edmo Rodrigues, o problema se intensifica durante os períodos de seca, quando a concentração de nitrato aumenta. Durante o período chuvoso, a recarga do lençol freático contribui para a diluição dos nitratos, reduzindo temporariamente suas concentrações. No entanto, na estação seca, com menor volume de água subterrânea, os níveis voltam a subir.
O início da pesquisa
O envolvimento de professores e estudantes do IFCE em pesquisas na região de Jericoacoara teve início por meio de parcerias com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelo Parque Nacional de Jericoacoara. A unidade de conservação procurou o IFCE para realizar análises da qualidade da água dentro da área protegida.
Como o campus de Camocim oferta os cursos de Licenciatura em Química e Tecnologia em Gestão Ambiental, percebeu-se a viabilidade de estudos mais aprofundados, investigando os níveis de nitrato para avaliar se a infraestrutura de saneamento da vila tem acompanhado o crescimento populacional e turístico da região, que recebe mais de 1,6 milhão de visitantes anuais.
Entre os estudantes envolvidos no projeto, destacou-se a então bolsista de iniciação científica Jardielen Chaves Sousa. Natural do Pará e egressa do curso de Licenciatura em Química no IFCE, ela acompanhou todas as etapas da pesquisa — da preparação dos materiais no laboratório às coletas de campo e análises das amostras. "A gente queria verificar se a água subterrânea da vila, que é a principal fonte de abastecimento, estava segura. E o nitrato é um indicativo claro de contaminação antiga e persistente", relatou. O composto químico é formado pela oxidação da amônia, presente na urina humana e no esgoto doméstico

Jardielen, que foi bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), também comentou sobre o impacto pessoal do projeto. “Antes de vir estudar no Ceará, morei em um vilarejo no Pará. Me identifiquei com o tema porque conheço bem a realidade de viver em um lugar sem saneamento básico, sem o mínimo necessário. É importante continuar avaliando a qualidade da água, especialmente em comunidades onde não há quem olhe por elas. A ciência precisa estar engajada com as causas sociais”, defende.
Recomendações
O artigo científico elaborado pelos pesquisadores do IFCE destaca a necessidade urgente de melhorias no sistema de saneamento da vila. Entre as recomendações estão a modernização da ETE, a implementação de sistemas de tratamento capazes de remover nitrato da água e o monitoramento contínuo da qualidade da água.
Reportagem: Tiago Braga (agencia@ifce.edu.br)
Fotos: Acervo Pessoal
Fonte: Edmo Rodrigues (edmo.rodrigues@ifce.edu.br), professor do campus Camocim
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Confira o artigo científico
O artigo científico completo (versão em inglês) está disponível no Journal of South American Earth Sciences, uma revista científica internacional da área de geociências.
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